Folhetim por Licínia Quitério
“Dona Clotilde” – Capítulo 4º.
Na escola, Fatinha só deu alegrias aos Pais. Boa aluna, embora sem grandes brilhos, bem comportada, respeitadora dos senhores professores a quem levava prendinhas pelo Natal e pela Páscoa. Pouco amiga de brincadeiras arrapazadas, quase não sujava as batitas de colarinhos brancos, tesos de goma. Já no liceu, o corpito começou em estremecimentos anunciadores de floração próxima. Dona Clotilde sentiu uma estranha angústia quando a sua menina anunciou que já era senhora, o que significava o despertar confuso da mulher com toda a sua corte de espantos e explosões. Nesse exacto dia, iniciou uma novena à Virgem Nossa Senhora, para que, dentro das regras do negócio divino, a Imaculada guardasse Fatinha das tentações do mundo, cheio de lobos à espreita de cordeiros tenrinhos.
Um dia, um colega mais atrevido, o Ferreira, conhecedor de pormenores da história através de amigos comuns, disparou de chofre:
“Ó Dona Clotilde, como é que a senhora nunca deu por nada? Ali mesmo nas suas barbas, salvo seja!.
“Ó senhor Ferreira, como é que me poderia passar pela cabeça que entre pai e filha aqueles carinhos não fossem da maior pureza? Ponha-se no meu lugar. Eu sei que é difícil, mas faça lá um esforço, se me faz favor. O meu Gustavo sempre fora muito meigo, muito dado a festas, a coceguinhas. Não lhe digo? Digo, sim senhor. Ele é e há-de ser, até que a morte nos separe, como jurei perante Deus, no dia do nosso sagrado matrimónio, o meu marrido!”.
A voz saía-lhe em flauta, quase em grito. O Ferreira acudiu, a acalmá-la:
“Pronto, pronto, não se exalte, Dona Clotilde, olhe que lhe sobe a tensão e depois lá vai de charola como daquela vez. E fui eu que a carreguei, lembra-se? Safa, como a Senhora pesa, embora não pareça, lá isso é uma verdade. O certo é que ainda hoje, quando há mudança de tempo, o meu joelho direito começa logo aos estalos. E foi desde aí, não haja a menor dúvida. Que fique para desconto dos meus pecados.”
(continua)
Pode ler (aqui) as outras crónicas de Licínia Quitério.